Mais um ano começa com diversos desafios jurídicos a serem resolvidos pelo Supremo Tribunal Federal, dentre os quais se destaca a legalidade da Pejotização das relações de emprego. A Pejotização caracteriza-se pela contratação de pessoa jurídica unipessoal constituída pelo próprio prestador de serviço, que realiza, de forma exclusiva, habitual e pessoal, os serviços contratados, recebendo o valor da contrapartida por intermédio da emissão de notas fiscais, na maioria das vezes de forma sequencial, sem quaisquer das proteções estabelecidas para a relação de emprego, tais como férias, 13º salário, FGTS etc.
O tema em voga é um velho conhecido dos tribunais e já foi objeto de enfretamento da Justiça Especializada, que entendeu como fraude a contratação de mão de obra por intermédio de pessoa jurídica para afastar os requisitos necessários ao reconhecimento do contrato de trabalho. Não obstante a consolidação desse entendimento pelo Tribunal Superior do Trabalho, diversos prejudicados com as decisões que reconheceram a fraude na contratação levaram ao Supremo Tribunal Federal mais de 6.000 pedidos de reclamação constitucional contra as referidas decisões somente no ano de 2023, fundamentadas na reforma trabalhista promovida em 2017, que flexibilizou as regras para contratação de empregados.
As investidas das empresas prejudicadas encontram brava resistência daqueles que atuam na Justiça do Trabalho, tendo a participação mais expressiva do Ministério Público do Trabalho e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, que vem promovendo encontros com os Ministros da Corte, no sentido de sensibilizá-los sobre as consequências do acolhimento dos pedidos formulados nas reclamações afetas a essa problemática.
O pedido formulado pela médica foi acolhido pela 39ª Vara do Trabalho de Salvador e confirmado pelo Tribunal Regional da 5ª Região. Contudo, o hospital apresentou reclamação constitucional, alegando que a decisão violou entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da terceirização de atividade-fim ou meio das empresas (ADPF 324) e sobre a possibilidade de organização da divisão do trabalho não só pela terceirização, mas de outras formas desenvolvidas por agentes econômicos (RE 958252, Tema 725 da repercussão geral). A decisão proferida pelo Ministro do Supremo foi no sentido de que a interpretação conjunta dos precedentes citados permite o reconhecimento da licitude de outras formas de relação de trabalho que não a de emprego, regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as quais abrangem a própria terceirização ou, em casos específicos, os contratos de natureza civil firmados com transportadores autônomos ou de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor.
Embora disfarçada sob o aspecto específico da terceirização das atividades fins, a questão chama atenção pela possibilidade de esvaziamento de parte expressiva da competência da Justiça do Trabalho, no caso de manutenção do entendimento trazido pela RC 61115, tomando-se por base a reforma trabalhista implementada em 2017, sendo necessário cuidado redobrado do Supremo Tribunal Federal na análise de casos de pretendam elidir os direitos sociais deferidos pelo ordenamento jurídico relativos à proteção das relações de emprego.
Referências:
- Supremo Tribunal Federal. Brasília, 07/08/2023. https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=511888&ori=1. 10/01/2024.
- Acórdão proferido na ADPF 324.
- Acórdão proferido no RE 958252 – Tema 725 – STF.
- Decisão proferida no RCL 61115.