Inicialmente, a natureza jurídica do contrato de compra e venda de safra futura é considerada como contrato aleatório. Isso se deve ao fato de envolver eventos futuros e atribuir às partes o risco de eventual frustração do resultado desejado, conforme respaldado pelo artigo 458 do Código Civil e corroborado pelo entendimento no REsp 887.716. Este último salientou que a teoria da imprevisão, via de regra, não se aplica aos contratos de compra e venda de safra futura.
Nesse contexto, a cláusula de wash-out, presente nesses contratos, atua como um mecanismo para minimizar perdas na atividade empresarial agrária, especialmente em casos de inadimplemento por parte do Vendedor na entrega da commodity. A cláusula impõe a obrigação de indenizar o Comprador pela inadimplência contratual do Vendedor. Em outras palavras, a cláusula de wash-out obriga o Vendedor, considerando seu inadimplemento, a pagar ao comprador a diferença positiva entre o valor contratualmente pactuado para a venda da commodity e o valor de mercado no momento da entrega frustrada (valor de mercado).
Assim, a natureza da cláusula é indenizatória, não se tratando de renda em sua essência, tampouco pode ser vista como receita. Deve ser entendida como uma forma de neutralizar o custo da nova aquisição, evitando impactos negativos para o Comprador no momento da ausência de entrega da commodity pelo Vendedor inadimplente.
Dado o caráter indenizatório, diferentemente de lucro operacional, essa compensação não resulta em acréscimo patrimonial para o Comprador. Portanto, os valores provenientes dessa indenização, que atuam como uma recomposição patrimonial decorrente do custo adicional de aquisição de nova commodity, onde os valores apenas transitam em sua conta, não deve haver incidência de PIS e Cofins, uma vez que o fato gerador tributário compreende todas as receitas auferidas pela empresa, sejam operacionais ou não, conforme dispõe a Lei n.º 10.833/2003 em seu art. 1º, §1º, e a Lei n.º 10.637/2002 em seu art. 1º, §1º.
Contudo, apesar de aparentar ser um posicionamento isolado, o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), por meio de voto de qualidade, reconheceu a necessidade de tributação. Ou seja, considerou a aplicação de PIS e Cofins, fundamentando-se na ideia de que se tratar de uma entrada de nova receita que incorpora o patrimônio, nos seguintes termos:
“CLÁUSULA DE “WASH OUT”. INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES. BASE DE CÁLCULO DA COFINS NÃO CUMULATIVA. A natureza jurídica da cláusula de “wash out” é de indenização por lucros cessantes, representando ingresso de receita nova. Nos termos da legislação de regência, a Cofins incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, compreendendo a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77 e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica. O Superior Tribunal de Justiça definiu, tanto em relação aos juros de mora pagos em decorrência de sentenças judiciais, quanto aos juros contratuais, que, muito embora se tratem de verbas indenizatórias, possuem a natureza jurídica de lucros cessantes, consubstanciando-se em evidente acréscimo patrimonial, tributável pela Cofins não-cumulativa.”
(Processo n. 10675.721146/2017-60. Recurso Voluntário. Acórdão n. 3401-008.979, Terceira Seção de Julgamento/Quarta Câmara/Primeira Turma Ordinária, j. 28.04.2021).
Apesar de representar uma posição que carece de precisão, na medida em que não se trata de lucro cessante, o entendimento adotado pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1), seguido pelo TRF-2, TRF-3, e TRF5, converge para a ideia de que o valor recebido a título de dano emergente não se enquadra no conceito jurídico de faturamento ou receita bruta. Este entendimento pode ser observado pela leitura do seguinte aresto:
“Tributário e processual civil. Ação ordinária. IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Valores recebidos a título de reparação pela impossibilidade do exercício de direito a opção de compra de ações. […] Acordo para o recebimento da verba. Natureza jurídica de indenização por dano emergente. Não incidência dos tributos. Precedente do STJ. Apelação não provida. […] 4. Tendo os valores recebidos pela autora a natureza de reparação por descumprimento de obrigação, configura-se como indenização por dano emergente, pois que têm apenas o objetivo de recompor os prejuízos suportados pela suplicante. 5. Em razão da natureza indenizatória da verba recebida, não deve ser classificada como receita operacional vinculada diretamente à atividade da sociedade empresária, não integrando da mesma forma as bases de cálculo das contribuições para o PIS e a Cofins. 6. Apelação não provida.”
(TRF-1, ApelRemNec. n. 1022289-94.2018.4.01.3400, Rel. Des. Federal Marcos Augusto de Sousa, Oitava Turma, DJe 28.07.2021)
Diante desse panorama, torna-se essencial considerar os desdobramentos específicos de cada situação. Isso inclui a avaliação da (in)compatibilidade da cláusula de Wash-out com outras penalidades moratórias, a discussão sobre a proporcionalidade da penalidade imposta, bem como a análise detalhada sobre a aplicação dos tributos federais, notadamente PIS e Cofins. Essa abordagem visa proporcionar uma compreensão abrangente dos desafios que podem surgir no cenário litigioso, oferecendo subsídios para a adoção de estratégias adequadas em cada caso concreto.